O Trailer do Caligo

Admin Mensagens : 172 Data de inscrição : 03/09/2013

Dark City

O Trailer do Caligo

O local mais famoso do subúrbio da cidade e da própria cidade; os atuais moradores adoravam e eram clientes assíduos. Clientes por tratar-se de uma loja, um pequeno comércio que rendia um belo faturamento para o Aborto que o administrava. Caligo, homem antipático de meia idade cuja aparência não era nada conveniente. Colares, anéis e brincos sinistros lhe decoravam dos pés a cabeça, além de um manto preto maior que ele e o cachimbo que não saia de sua boca. O trailer era até grande, apesar dos pneus furados e uma lataria meio cinza, meio encardida, para lá de enferrujada. O cheiro de incenso predominava e podia ser respirado a quilômetros. Para fazer negócios, bastava bater na porta. Por dentro, tudo era ainda mais horripilante. Velas de um fogo azul conferiam uma claridade espectral, o que chegava ser o de menos perto das cabeças decepadas que falavam sem parar, ofendendo quem quer que fosse pelos piores nomes. As paredes eram decoradas com pele centauros e olhos de opala, enquanto penduradas no teto estavam asas de hipogrifo e braços de duendes. Em seus armários e estantes trancados por uma chave que Caligo carregava no pescoço, um estoque de pura ilegalidade. Ingredientes raros para qualquer tipo de poção, assim como poções e venenos poderosos, uma variedade de drogas e amuletos que dizia serem místicos.

Assunto: Re: O Trailer do Caligo Sex Out 18, 2013 3:19 am

ㅤㅤ

ㅤㅤPouquíssimos entendiam toda a mística por trás de Dark City. Matthew era um desses privilegiados e sabia muito bem como tirar proveito disso. Conhecia cada uma das peculiaridades da cidade e essa era uma das principais razões por ter conseguido manter-se fora do radar de tantos amigos e inimigos que o procuravam. Não seria localizado caso não fosse essa a sua vontade. Se estar um passo a frente era importante, o que dizer de um quilômetro inteiro? Aquele era um lugar que Matthew podia tranquilamente chamar de lar. E como qualquer pessoa apegada ao seu lar, reprovava veementemente quando começavam a bagunçá-lo sem a sua autorização. No entanto, era preciso saber o nome de cada criança arruaceira para então apregoá-las e colocá-las num belo castigo. Merecido castigo.

ㅤㅤOs corvos amontoavam-se no céu, mais negros do que as próprias nuvens eternamente carregadas. Voavam sincronizadamente, um giro lento entorno da torre mais alta da catedral. Crocitavam alto e sem parar; O primeiro aviso para quem precisava ser avisado de que algo estava fora do lugar. Matthew avistou o bando assim que colocou os pés em uma das ruas após três ou quatro doses de uísque no bar de Abraham. — Só pode ser brincadeira... — Resmungou. Desapareceu em seguida.

ㅤㅤUma onda de sombras chocou-se contra um chão mais úmido e ele se materializou. Atravessou um beco com passos rápidos e logo alcançou uma escura e quase recôndita praça com um trailer caindo aos pedaços no centro. Aproximou-se desse o suficiente para mirar a varinha em sua porta, sussurrando algo que arrombou-a e fez uma rajada de vento bagunçar tudo lá dentro, despertando palavrões e duras ofensas que foram ficando mais e mais audíveis na medida que Matthew entrava. — Desgraçado! Eu vou azarar até a sua décima geraç... — E cessou quando o velho, Cáligo, deparou-se com quem fez a arte. — Ah, Sekans... — Um tom mais comedido, baixo e amedrontado. Matthew o colocou em sua mira e o Cáligo vôou violentamente contra uma das paredes, grudando nela. Quase de cabeça pra baixo, mas ainda meio de lado. O suficiente de lado. Grunhiu de dor. Num terceiro chacoalhar da varinha, o sérvio fez com que a porta então destruída do trailer voltasse para seu devido lugar, reparando-se. Intacta. — Vê? Eu tenho modos. — Disse seco, sem muito humor. Faltava-lhe humor quando algo acontecia bem embaixo de seu nariz e ele não tinha conhecimento do quê. — Diga-me quem está dando uma festa na catedral. — Pediu. Um pedido que podia ser chamado de ordem.

ㅤㅤCáligo hesitou por um instante, parecia incomodado com sua atual posição. O fato era que ele era o homem certo, o bruxo certo, o principal informante de Matthew na cidade. Toda e qualquer informação, notícia ou boato eram periciados por seus ouvidos que determinavam se precisavam ou não chegar até Matthew. Isso quando ele não vinha saber em pessoa, como agora, o que salientava a urgência e-ou importância da situação. — Um dos meus clientes veio correndo de lá. Ele estava dormindo embaixo de um dos bancos quando disse que um homem loiro entrou. Meio magricelo, parecia perturbado e também parecia descascar... — Riu de sí mesmo. — Às vezes meus clientes alucinam, você sabe, né. Clientes. — Riu mais. — Depois chegou outro cheio de sí, mais almofadinha e com varinha em mãos. Daí ele fugiu pelo buraco. Cuzão, né? Veio pra cá comprar pó de trasgo. É uma beleza. Tira o sono, enche de disposição... — Divertia-se e distraía-se falando. Matthew não tanto. Um risco em sua feição denunciava preocupação. Engoliu seco e sacudiu a varinha. Cáligo urrou mais alto do que a rótula de seus joelhos ao serem amassadas. — E...? — O velho focou-se novamente após o incentivo. — A salamandra do Iranövichk chegou faz pouco avisando que os loirões estão duelando pra valer e que mais gente está para chegar... — Bom sinal. Cáligo também era um meio que Matthew e Viktor usavam para se comunicar sem que conseguissem ligar um ao outro. Quando por Dark City, o Iranövichk costumava se certificar de que nenhum indesejável deles ficasse por muito tempo respirando esses ares nada puros.

ㅤㅤRazoável. Mas ainda não fazia cem por cento de sentido. Matthew ainda não tinha encaixado as peças corretamente e sentia que precisava fazê-lo, pois em seu íntimo também sentia que aquilo lhe era importante de uma maneira ou de outra. Deu as costas para Cáligo e o mesmo despencou da parede para o chão. Andava ao redor de uma pequena mesa e pensava; Dois bruxos não viriam despretensiosamente para Dark City afim de duelarem e tampouco chamariam mais uma dúzia para se juntar. Soava como um dos bruxos pedindo reforço, o que acrescia um ar fortemente ministerial à situação. Típico de auror seguir seu instinto, uma pista ou uma denúncia do paradeiro de alguém, abordá-lo primeiro e iniciar o confronto para depois chamar reforço, de maneira que não perdesse os méritos da captura, apenas a concretizasse com mais facilidade. Porém, nenhum auror se arriscaria tanto em terreno tão inimigo atrás de um réles criminoso, tal qual esse criminoso não podia ser um qualquer para esconder-se em suas terras. Concordou com sí mesmo. Era o ministério agindo. E por mais que não gostasse da presença das autoridades e ficasse tentado em expulsá-los por diversão, algo lhe dizia para insistir na situação. Viktor não tinha informado o bastante, então precisava tentar a sorte com o que restava. — Eu preciso de mais, Cáligo. Algum detalhe. — Fitou o dito cujo com uma rara seriedade. — Diga-me mais alguma coisa. Vamos lá. — O velho coçava a cabeça, quase arrancando o couro cabeludo, sentado no chão sem poder andar. — Não sei, Sekans. Não sei. Você me fodeu aqui. Você não ajuda... — Retrucava para a insatisfação de Matthew. — Você recebe informações todos os dias. Algo sempre chega aos seus ouvidos através de cada bruxinho viciado e insigificante espalhados nas ruelas da cidade, então me dê algo antes que eu parta ao meio cada osso desse trapo que você chama de corpo. — Revolveu o enfoque para Cáligo e lhe deixou sob sua mira mais uma vez. Cáligo ergueu os braços. — Certo, certo! Acho que... — Titubeou, mordendo os lábios com tanta força que sangraram. — Acho... — Bateu com a traseira da própria cabeça na parede do trailer. — Que... — Tossiu em sua última vacilada. — O loiro magricelo, o que entrou primeiro... Talvez ele estar derretendo, descascando, desfazendo sabe lá Merlin o que não fosse alucinação... — Matthew ansiava o fim da frase e Cáligo parecia fazer um esforço descomunal para completá-la. — Uns dias atrás um outro cliente disse ter visto um homem assim, sabe, mal da pele... Loiro também... Não muito bem nutrido.... Na floresta perto da ponte. Ele gritava. Gritava. Gritava um nome e disparava maldições para todos os lados. — Era quase alguma coisa. Ele abaixou a varinha, indo para mais perto de Cáligo com um olhar de insana curiosidade. — Que nome? — Questionou. A resposta estava na ponta da língua do velho. — Tim.

ㅤㅤMatthew congelou por segundos. Embora olhasse Cáligo, o que ele enxergava estava muito longe do trailer, de qualquer proximidade e de Dark City. Qualquer característica mal informada fazia pleno sentindo, aquela sensação de que precisava descobrir mais sobre elucidava-se e em sua cabeça, agora, um emaranhado de cenas, sons, cores. A sua noção da realidade balançou e sua posição no espaço-tempo oscilou levemente, embora o bastante para torná-lo aéreo. Lembrou-se de quase tudo. Desde o primeiro momento em que foi selecionado junto a Jason para a Hodiecog, até o último onde o mesmo lhe dizia que precisava matar Deko e seguir seu caminho sozinho. "Entenda que para cada um de nós há reservada uma diferente solidão, Matt. Isso não é sobre o que já fizemos ou o que iremos fazer, mas sobre o que verdadeiramente somos."... — SEKANS? — O esbravejar de Cáligo o fez sacudir a cabeça e fugir das lembranças. Precisava agir e agir rápido. Por mais exemplar que fosse Jason como bruxo, ele não aguentaria uma ninhada de aurores. Aguentaria menos ainda se não estivesse na plenitude de seus poderes. — Nenhum aurorzinho entra e sai da minha cidade sem me pedir encarecidamente "por favor". E se quiser levar Jason Dolley, é melhor que seja um lindo por favor. — Esbravejou. Nervoso era uma definição apropriada. Matthew passou a mão em alguns frascos específicos, claramente apressado. — Se eu não voltar em cinco horas, avise para Dallan Mordred que eu preciso dele no Ministério. — Fitou Cáligo que acenou como quem compreendeu e após sanar-lhe os ferimentos dados, desfez-se em um turbilhão de fumaça negra que rumou para catedral.

ㅤㅤ
ㅤㅤ

Assunto: Re: O Trailer do Caligo Dom Out 20, 2013 7:13 pm

ㅤㅤㅤㅤㅤㅤO retornar para a civilização, junto do abandono da vida calma e angustiante que levava, colocadas em conjunto com um encontro inesperado e o tinir de uma tentativa de ataques consecutivos e incessantes, porém sem êxito, fizeram com que Dallan se sentisse revigorado. Voltara de fato à vida que havia deixado antes de exilar-se na Alemanha.
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤSeu encontro com Jason Dolley havia sido rápido, porém perturbador. Aquele homem obtinha uma vontade enorme de se mostrar, ou então era completamente louco, não que Dallan colocasse-se em uma posição sã, mas Dallan parecia estar completamente em seu juízo perfeito se comparado à Dolley. Continuando seu peregrinar por Dark City, colocava-se em busca de uma única pessoa, tinha que encontra-la a qualquer custo, o quanto antes. Entretanto, até o momento nem sinal dela, até que aquele cheiro incômodo, aquele velho e conhecido cheiro de incenso enjoativo lhe transpassou as narinas lhe fazendo lembrar das inúmeras vezes que havia estado no trailer para arrumar materiais ilegais, desde os tempos de escola, até mais a frente. O cheiro era proveniente do velho e maculado Trailer do Cáligo, e seria ali que Dallan tornaria a procurar seu objetivo.
ㅤㅤㅤㅤㅤㅤSem cerimonias, sacou sua varinha movimentando-a levemente e fazendo com que a porta se abrisse devagar. Fitou rapidamente o lugar, seus orbes oculares correram todo o âmbito enquanto dava o primeiro passo entrando no trailer. Não havia mudado nada desde a última vez que estivera ali, talvez um acúmulo maior de sujeira, mais ferrugem e um público mais velho e mais acabado. O velho Cáligo pareceu arregalar os olhos ao ver o loiro cruzando a porta, Dallan caminhou então rapidamente até a frente do velho olhando-o em seus olhos. — Dallan Mordred... Sumido, não? Já fazem quantos anos? O que procura desta vez, não vai me dizer que tentará criar um... — E foi interrompido por Dallan que mantinha seu olhar sério e compenetrado olhando no fundo dos olhos do Cáligo. — Você sabe o que eu quero, ande logo, onde está meu primo? — Proferiu em um tom baixo, quase um sussurro, para que apenas o dono daquele trailer pudesse ouvir. — Há! Você se esqueceu que aqui não há nada de graça? Tudo tem seu preço meu jovem, ou devo dizer, meu velho, hahaha. — As risadas seguidas de uma tosse pelo velho não puderam nem ser terminadas, Dallan, que ainda mantinha a varinha em mãos apontou-a para o pescoço do Cáligo, e com um feitiço não verbal ele começou a estrangular o velho que foi ficando vermelho arroxeado na hora. — Pode ser do jeito mais fácil, ou do mais difícil, você é quem sabe. — Proferiu novamente. Cáligo começou a debater-se e tentar falar, Dallan aliviou um pouco e com dificuldades o velho soltou o que lhe vinha à mente. — E-ele lhe es... pera no Mi... Ministério. — Aquilo fora totalmente suficiente para Dallan, virou as costas e então desfez o feitiço. O velho Cáligo caiu na hora ofegante, e Dallan seguiu até a porta passando pela mesma. Tentou ser sutil ao máximo, afinal, não queria ser visto ou reconhecido por ninguém. — Então ele já está à minha espera, ótimo. — Foram então suas últimas palavras até que colocou-se envolto em sombras negras e desmaterializou-se frente ao trailer. Sumiu.